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quinta-feira, 19 de abril de 2012

REPÓRTER POR EXCELÊNCIA
Sexta-feira, dia 5 de março de 2004. Já tínhamos falado antes por telefone. Mas foi a primeira vez que estive frente a frente com o grande repórter Roberto Cabrini, um mito do jornalismo investigativo. Ele descobriu os esconderijos de PC Farias, Jorgina de Freitas, fez a última entrevista de Elma Farias, a mulher de PC, e trabalhou numa série de outras reportagens polêmicas que lhe renderam alguns títulos, muita fama, mas também muitas contrariedades e perseguições. Roberto Cabrini chegou à TV Meio Norte minutos antes de entrar no ar no programa Jornal da Tarde, que eu apresentava desde janeiro de 2002. “Fala, garoto”, ele disse, animado com a perspectiva de, mais uma vez, falar aos piauienses, ele que, dois anos antes, abalara as estruturas do Judiciário ao produzir matérias com denúncias envolvendo prefeitos e desembargadores. “Você já viu aquele filme Talk Rádio — Verdades que Matam?”, perguntei. “Não, ainda não tive a oportunidade. Do que trata?”, questionou. Falei: “É a história de uma radialista que trabalha de madrugada numa estação. Ele conversa com notívagos, paranóicos, delirantes, elementos de todas as estirpes que passam as madrugadas solitários e em busca de companhia ou de algo para externar suas frustrações. É um filme legal, se considermos que um jornalista muitas vezes é vítima da própria verdade que acredita e representa.” Ele me garantiu que iria assistir ao filme. O cinegrafista avisou que estávamos retornando dos comerciais. No ar: “Hora certa... (anunciante)... Estou recebendo aqui no estúdio a presença de um dos mais conceituados jornalistas brasileiros, Roberto Cabrini, da Rede Bandeirantes de Televisão e que veio ao Piauí para uma série de palestras em Picos e Teresina...” Na entrevista a seguir, concedida no dia 2/9/2003, Cabrini fala sobre a responsabilidade do jornalista, a imparcialidade da notícia e os dissabores que enfrentou no Piauí ao denunciar, com base em entrevistas e depoimentos,m um suposto esquema de venda de liminares no Tribunal de Justiça, através do qual desembargadores mantinham prefeitos (irregularmente) no poder: Toni Rodrigues — Um jornalista tem muitas responsabilidades. Carrega sempre um fardo emocional muito grande. Como é conviver com essa responsabilidade advinda de tantos anos de carreira? Roberto Cabrini — Em primeiro lugar temos que controlar esse fardo ao qual você se referiu. Jamais fazer matérias motivadas por questões pessoais e sim visando sempre o bem comum, visando sempre aquilo que o cidadão precisa receber em termos de informação. As pessoas no Brasil estão cada vez mais ávidas por informação. Nós temos uma responsabilidade social enorme nesse País. No processo de democratização do Brasil, o papel do jornalista é vital. Todos os dias a gente tem que acordar com essa responsabilidade e sabendo que nós somos veículos de transformação, para instituições mais transparentes, que realmente representem a sociedade. TR — É possível, dentro de um universo tão amplo como este em que você trabalha, relacionar algumas matérias que tenham marcado a sua carreira? RC — Olha, eu costumo pensar e sou condicionado a pensar que a minha grande matéria vai ser sempre a próxima, porque se você não pensar dessa forma pode menosprezar algo que está diante dos teus olhos. E você tem que ter essa sede, essa inquietação, essa vontade de fazer a grande matéria. Eu sou absolutamente apaixonado pelo que eu faço. Eu sou jornalista vinte e quatro horas, sempre pensando na próxima reportagem, gosto muito, me identifico muito com esse papel que a gente. O papel de dar às pessoas a possibilidade de decidir. Acho que o jornalista não pode ter a pretensão de fazer com que as pessoas pensem como ele. O jornalista é aquele que leva uma informação para as outras, para que munidas e municiadas com boas informações possam exercer a sua cidadania, o seu direito de escolha. TR — Como foi que você descobriu o esconderijo de PC Farias? RC — Foram momentos, dias, meses de muita adrenalina. Em primeiro lugar, eu descobri porque eu estava fazendo aquilo que provavelmente a Polícia não estava fazendo, que era tentar encontrar o Paulo César Farias. A primeira exigência para se achar uma pessoa é procurar. Será que a Polícia naquele momento estava procurando? Eu não tinha os recursos que a Polícia dispunha, que tem. A Polícia grampeia telefones, tem acesso a arquivos que o jornalista não pode ter. Mas eu tinha a vontade em localizar. Se alguém foge, como é que você acha alguém que foge? O ser humano não é uma ilha, ele se relaciona com outras pessoas, ele precisa da sua base de sustentação. Mais cedo ou mais tarde, quem foge comete erros e volta a procurar pessoas com as quais convivia, esquemas que no passado utilizou... então, estou dando a dica de como achei: eu fiz um mapeamento de todo mundo que se relacionava com ele e por aí eu fui conseguindo identificar estruturas que ele já tinha usado. Foi determinante, por exemplo, uma estrutura. Ele usava um sistema de transporte da Europa, em outros tempos em que não era ainda um fugitivo, de uma empresa chamada Sadal. Essa empresa sempre negava que estava atendendo ele naquele momento, mas eu notei um comportamento diferente, consegui pesquisar e saber que sempre ele alugava carros e se servia daquela empresa para tudo que ele fazia na Europa. Eu achei profundamente improvável que ele não estivesse usando aquela empresa naquele momento. E de fato estava... TR — E como foi o encontro, o que foi que ele disse para você quando lhe viu? RC — Ele disse: Roberto, você não precisava me procurar, você não precisava ficar tentando me achar. Eu teria o máximo prazer... Ele era um mestre no tráfico de influência. Ele tirava dinheiro de empresários. Os empresários davam dinheiro para ele sorrindo. Ele era muito bom de conversa. Não era uma pessoa truculenta. Era uma pessoa muito carismática. Por isso, perigoso. A gente não identificava nele uma pessoa perigosa. Ele realmente não era violento, mas ele sabia tirar dinheiro de empresários. Com certeza, isso ele sabia... TR — O Brasil ainda é um País de impunes. Como é a sua visão da impunidade, como vê as mudanças que se processaram no Brasil ao longo da sua atuação como jornalista? RC — Eu acho que falta muito para que a gente deixe de ser o País da impunidade, mas eu sinto claramente uma mudança. A maior mudança que existe, que eu senti até como repercussão das minhas matérias, foi que... não que autoridade A ou B tenha sido afastada ou punida, porque isso às vezes é secundário... a maior mudança que pode ocorrer é a conscientização das pessoas. É quando elas descobrem que elas têm direitos, que podem exigir que as instituições que existem para representá-las sejam transparentes. E eu fico impressionado quando converso com as pessoas nas ruas como essa conscientização aumentou e como está aumentando. O Brasil está mudando. Algumas pessoas se recusam a admitir que o País está mudando e serão tragadas pelo processo a longo prazo. Isso eu falo no Brasil como um todo. Porém, há indícios de mudança e da melhor forma possível na população. A população quer ser melhor representada, quer instituições que a representem e não segmentos. E que não perpetuem privilégios que ocorrem desde o tempo das capitanias hereditárias. TR — Cabrini, qual o seu nível de identificação com o Estado do Piauí? RC — Total. Eu aprendi a amar esse Estado, me sinto piauiense... é como eu falei... você toma da água do rio Poti e nunca mais esquece. O que me impressiona e o que realmente me encanta nesse Estado é a beleza interior das pessoas. As pessoas são extremamente carinhosas, o piauiense é acima de tudo muito boa, muito solidária. Passa muita coisa positiva, o simples olhar, é muito gratificante conviver com o piauiense. É um povo extremamente carinhoso e eu torço todos os dias pelo Piauí porque me sinto piauiense, porque me identifiquei com o jeito de ser do cidadão comum desse Estado. TR — Eu queria falar sobre os riscos da reportagem investigativa. Como é que a família fica nisso tudo. Você falou sobre um aspecto interessante, a segurança pública, mas ao denunciar desmandos, ao criticar figurões que impõem atos de corrupção à sociedade, o repórter termina se expondo e pode ser, como já ocorreu inúmeras vezes, a vítima desses esquemas. Como é conviver com isso? RC — Conviver com isso exige, em primeiro lugar, que você esteja totalmente comprometido com a sua profissão. Significa aceitar riscos, porque em um País em que as principais instituições ainda lutam para se tornarem mais democráticas, e em todas elas existem pessoas de bem e pessoas que querem e precisam de mais espaço para poderem fazer o seu trabalho, exercer bem o seu trabalho significa, com toda a certeza, combater determinados vícios que existem, determinadas irregularidades. E corrupção é um mal que realmente afeta a nossa auto-estima. TR — ... o Caso Tim Lopes é um exemplo? RC — O Caso Tim Lopes, eu acho o seguinte: o Tim sabia que existiam riscos e decidiu aceitá-los. Eventualmente essas coisas acontecem. Eu acho que é melhor você viver menos, mas fiel aos seus ideais, do que mais e infiel àquilo que você acredita. Que tipo de homem você vai ser negando aquilo em que você acredita? Então, existem riscos, existem... mas eu acho que, sem cometer suicídio, você precisa aceitar esses riscos. Eu acho que até ameaças também são uma indicação de que você está diante de algo importante. Eu encaro ameaça dessa forma. Já fui ameaçado muitas vezes. Já fui ameaçado no Piauí, já fui ameaçado no Afeganistão, fui ameaçado em São Paulo. Isso tudo faz parte da profissão. TR — Cabrini, o Iran Andrade é instrutor do Senac e repórter cinematográfico e pergunta o seguinte: Qual a importância do repórter cinematográfico e conte uma experiência em que a presença desse tipo de repórter foi essencial para a produção de uma matéria. RC — Contar um episódio é pouco, né?, porque o cinegrafista é absolutamente vital para o nosso trabalho. Infelizmente, nem sempre é devidamente reconhecido. Porém, em todas as grandes matérias que eu fiz, o papel do cinegrafista é muito importante. Quando eu achei o PC, por exemplo, ele não queria ser filmado, se o meu cinegrafista não fosse esperto para fazer imagens sem ele perceber, eu não teria a documentação de que eu tinha localizado ele. Quando eu fui para o Afeganistão, eu e o cinegrafista tivemos que nos arriscar muito. Agora, eu nunca peço para o meu cinegrafista fazer uma imagem que eu mesmo não esteja disposto a fazer. Lá no Afeganistão, quando o meu cinegrafista ficava extenuado, eu punha a câmera no ombro e filmava as situações de guerra, porque eu sabia que aquilo era muito arriscado. O cinegrafista competente é aquele que muitas vezes consegue fazer a própria entrevista. Uma das grandes matérias foi diante do trabalho de um cinegrafista, no caso o Fernando Cardoso. Ele conseguiu fazer uma entrevista, ele foi fazer imagem porque não tinha certeza de que realmente aquele material era importante, e ele foi lá e voltou com uma entrevista com uma revelação estupenda. Então, o repórter tem que filmar quando precisa, o cinegrafista tem que ser repórter quando precisa também. Televisão é equipe e não se faz um bom trabalho sem o entrosamento entre o cinegrafista e o repórter. Eu devo muito da minha carreira aos cinegrafistas com os quais eu trabalhei. Após a entrevista, pedi que ele respondesse algumas perguntas. TR — Eu queria apenas fazer mais duas perguntas. Primeiro, sobre o processo que envolve membro do Tribunal de Justiça do Piauí. Como é que está essa situação? RC — Na verdade, são sete processos, mas é um só, a história de um desembargador, né? O que é essa história? Um repórter entrevista prefeitos que confessam terem cometido um crime: pagaram para um desembargador, para o escritório, para conseguir medidas que os mantivessem no poder. E o jornalista, no caso eu, não dá nenhuma opinião pessoal, apenas informa. Reproduz o depoimento de autoridades e existe um processo por conta disso. Processo normal, todo mundo tem direito a entrar com uma ação, em tese. O mais surpreendente é que isso vira uma tutela antecipada, que para mim como cidadão foi algo que eu jamais vi... algo surpreendente... TR — Seria uma agressão brutal? RC — Eu me senti agredido como cidadão, porque fiz o meu trabalho. Veiculei entrevistas, todas essas entrevistas que eu veiculei, por exemplo, o caso do prefeito Adérson... inicialmente, ele foi gravado e não sabia, mas depois ele confirmou em depoimento consentido, e confirmou isso perante a Justiça. E depois um outro prefeito de uma outra cidade deu uma entrevista consentida contando a mesma coisa. Isso foi veiculado. Eu jamais acusei ninguém. Apenas fiz o meu trabalho de informar. Quando isso traz uma tutela antecipada eu me sinto agredido como cidadão, no direito mais elementar que eu tenho como jornalista, que é o de informar. Eu não julguei, eu não julgo, repórter não está aqui para julgar. Repórter informar. E o que eu fiz foi dar uma informação coerente, como qualquer veículo de informação de qualquer imprensa livre de tudo o mundo... TR — Nesse aspecto, o Piauí se tornou um caso sui gêneris para você, como jornalista? RC — Com certeza. Me marcou profundamente. Eu nunca me senti tão aviltado, tão intimidado. Foi a pior forma de pressão que eu já sofri em toda a minha carreira. E o que aconteceu... eu estou dizendo como cidadão... o que aconteceu, eu senti como atentado aos meus direitos mais básicos de cidadão, ao meu direito de informar, de exercer a minha profissão. Porque eu jamais acusei ninguém.

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